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O que era para ser um presente de aniversário para toda a população de Itaboraí não agradou a todos. No dia 23 de maio, em comemoração ao aniversário de 192 anos da cidade, a Prefeitura lançou oficialmente o programa Tarifa Zero, que eliminou a cobrança de passagens nos ônibus municipais. A promessa era de mobilidade gratuita, dignidade, economia e inclusão. Mas, como acontece com alguns presentes muito esperados, a entrega veio — só que não do jeito que muitos imaginavam.
Todas as 19 linhas que antes eram tarifadas foram incorporadas à frota já operada pelo sistema Laranjinha, formando uma malha 100% gratuita dentro dos limites do município. Segundo a Prefeitura, o programa transforma a cidade em referência nacional e deve impulsionar o comércio, o turismo e o direito à mobilidade.
Mas nas ruas, a realidade ainda está longe da comemoração. A reportagem do Jornal A Tribuna esteve no Centro de Itaboraí e ouviu passageiros, comerciantes e trabalhadores do transporte. As queixas se multiplicam: ônibus lotados, longos períodos de espera, veículos quebrando e falta de horários confiáveis. Para muitos, a ideia é boa, mas a execução falhou.
O que diz a população
Para a teóloga Joyce Alves de Oliveira, de 42 anos, moradora do bairro Visconde de Itaboraí, além da piora no sistema que já não funcionava bem, há longas esperas e atrasos constantes, fazendo com que ela espere por mais de uma hora para embarcar.
“Quando ele era pago, já era um pouco precário. Ele se tornou um pouco pior, porque ele vai mais cheio. E parece que foi diminuído a linha. E os ônibus são um pouco sucateados", disse a moradora, que havia acabado de sair do mercado.
Dona de casa, Luciene Brandão enfrenta problemas parecidos. Ela também mora em Itaboraí e depende do ônibus para trabalhar. No entanto, o atraso virou rotina.
“Já estou há mais ou menos uma hora aqui esperando. Até agora não passou o Calundú, que é o ônibus que vai pra onde eu moro. E um monte de gente também reclama. Às vezes a pessoa fica aqui duas horas, quase três horas esperando e não passa o ônibus", reclamou.
Também do lar, Denise de Souza, de 33 anos, reclama da superlotação, que é o que mais a incomoda. “O ônibus lotado, porque às vezes as pessoas passam, não têm educação, saem empurrando. Saem pisando no pé da gente.”
Ela relata dificuldades para cumprir compromissos por conta da irregularidade no serviço: “A gente fica no ponto, às vezes, uma hora, duas horas esperando o ônibus. [...] Às vezes a gente tá com pressa, quer chegar na hora em casa pra fazer os nossos afazeres, o ônibus não passa”, afirmou Denise, que usa o transporte para ir à consultas médicas e visitar centros comerciais.
Já a vendedora Sara, do bairro Itaville, aprovou a medida e considera que o programa melhorou a mobilidade para quem tem baixa renda. “Pra mim foi uma ideia ótima, simplesmente. Porque muitas vezes as pessoas não tinham condição de vir para o Centro. E hoje elas têm a possibilidade de estar vindo com mais facilidade”, elogiou a vendedora, que usa bastante o transporte para ir e voltar do trabalho e para frequentar a academia.
Chefe de Sara, Josiane Freitas de Azevedo é gerente de uma loja de manutenção e revenda de capas e vê o lado econômico do transporte gratuito. “A ideia do tarifa zero é muito interessante, porque faz movimentar a cidade. As pessoas antes que não tinham condições de estar pagando a passagem para vir até o Centro [...] isso faz com que rode a moeda no município”, destacou a lojista.
Também comerciária, Sônia de Azevedo é moradora do Centro e usuária frequente do novo sistema. Ela percebeu o aumento da demanda, mas defende o programa. “Quando eu vou pra igreja eu pego ele. Quando eu volto eu pego ele. [...] Eu só não pego quando eu quero ir caminhando, mas eu sempre pego”, relatou a vendedora.
Motoristas de vans, no entanto, viram no Tarifa Zero um golpe no próprio sustento. É o caso de Wagner Joaquim. “Isso atrapalha a gente demais. Tudo que é de graça, não presta! Pra nós não tá bom não", disse o motorista, que calcula queda de mais de 40% no movimento.
“Estamos com menos passageiros. Houve uma queda de mais de 40%. Mas a gente da van nunca desiste”, relatou o profissional de transporte alternativo.
O que diz a Prefeitura
Procurada, a Prefeitura de Itaboraí esclareceu que a nova fase do programa Tarifa Zero, iniciada em maio de 2025, garante transporte público gratuito, custeado integralmente pelo município. Desde então, o número de passageiros saltou de 350 mil para mais de 1,5 milhão por mês, superando as previsões iniciais.
"A implantação ocorre de forma gradativa, com ampliação de linhas, readequação de itinerários, renovação e climatização da frota e modernização dos serviços", disse a nota.
Ainda segundo a Prefeitura, com pouco mais de 50 dias de operação, já estão em andamento estudos para antecipar melhorias, diante de uma demanda reprimida que cresceu cerca de 500%, desde que passou a ser tarifa zero.
A Prefeitura reforçou que mantém monitoramento contínuo, com foco na eficiência, legalidade e segurança, e segue comprometida com a transparência e com a melhoria do transporte municipal.