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Feliz Ano Novo leitoras, leitores, amigas, amigos, transeuntes em geral
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Foto do autor Luiz Antonio Mello Luiz Antonio Mello
Por: Luiz Antonio Mello Data da Publicação: 12 de outubro de 2024FacebookTwitterInstagram
Pintura de Roger Dean

Não foi um piado. Nem um canto, ou um pio.

O mensageiro pousou na janela. Tamanho de um pardal. Não. Um pouco maior, como um sabiá, um bem-te-vi, um sanhaço.

Agitado, olhando sempre para os lados, voou do parapeito da janela para o alto da estante.

Pousou na lombada de um Paulo Leminski.

O tempo passou na janela. Só Carolina não viu. O ano voou de repente, ligeiro, aflito como o olhar assustado do mensageiro bicando a lombada do Leminski, dizendo que pelos caminhos que ando, um dia vai ser, só não sei quando.

Pintura de Roger Dean.

O desejo de um feliz 2025 para todas, para todos, pulsante, verdadeiro, gutural como o canto silente do pássaro mensageiro, que voa de livro em livro no alto da estante.

Pousa em Leminski, Paul Auster, Machado, Clarice, Anais. 

No rastro da sôfrega sobrevivência dos sanhaços que não cantam nos viveiros onde sobrevivem a sua quase vida; passarinho cantou de dentro de uma gaiola; cantaria melhor se fosse do lado de fora, cantou Lins, o Ivan.

O quase certo é que em 2025, seja lá onde estivermos, haverá mar em abundância. 

Em algum lugar. 

É provável. 

Haverá gente, obtusa gente brasileira, que lambe o temor servil, oferece o dorso a chibata, implora perdão pela própria inocência por ter cedido pouco, muito pouco; por ter cedido apenas a própria vida. 

A inclemência dos covardes saboreando a glande tatuada de suásticas, capatazes do arbítrio posando de bons moços, sagrada família, evangelho, fuzis, porta retrato, mesinha de cabeceira, o escambau. 

Em 2025 o trem da alegria promete-mete-mete-mete, garante; que o riso será mais barato, dora-dora-dora em diante; que o berço será mais confortável, que o sonho será interminável, que a vida será colorida, etc e tal. Que a Dona Felicidade, baterá em cada porta, seja aqui, seja ali, seja lá, não importa a mula manca. 

Afinal, minha cara, meu caro, você deve aprender a baixar a cabeça e dizer sempre muito obrigado; por ser bem disciplinado; você merece, você merece; tudo vai bem, tudo legal; pra ganhar um Fuscão no juízo final.

O tempo fica cada vez mais lento; e eu lendo, lendo, lendo; vou acabar virando lenda, escreveu Leminski quando eu, você, nós dois; aqui neste terraço à beira-mar; o sol já vai caindo; e o seu olhar; parece acompanhar a cor do mar; você tem de ir embora; a tarde cai. 

Parece que o combinado foi descombinado quando eu disse meu amor; não posso mais; viver aqui; não tenho paz; eu quero ir; pra algum lugar; e ser feliz; ouvir o mar; e amar. E você escutou. Mas não ouviu.

O mensageiro no alto da estante parece piar, ou cantar, ou soprar que somos assim quando o posfácio se torna o dobro do tamanho do prefácio e a urgência chuta a porta. 

É quando procuramos Dindí, a minha Dindí, se um dia você for embora; me leva contigo, Dindí; fica, Dindí, olha, Dindí; que é a coisa mais linda que existe; você não existe, Dindí; deixa, Dindí, que eu te adore, Dindí.

Que 2025, para todos, seja robusto de abstrações e metáforas ou, escreveu Rubem Fonseca, vastas emoções e pensamentos imperfeitos, ou, no labirinto dos relógios derretidos, a dança com estrelas cadentes; entre as folhas de um livro nunca escrito, um semblante descompassado sussurra segredos de maré; lua e vento, em lascivos sussurros, pintavam a sala de estar de amarelo azulado. 

No horizonte, uma cadeira de balanço questiona o sentido das sombras. E assim, em meio ao caos dos sabores e odores, um botão de rosa se pergunta quando o peixe aprenderá a voar.

P.S. - Segunda- feira (14), sexto mes sem a minha amada mãe Kilza, que foi embora em 14 de abril deixando em meu peito, em minhas artérias, em meus becos, um vácuo descomunal. 

Espiritualista, ela sempre pedia, pedia muito, para não chorarmos por sua partida e quis o destino que apenas nove dias após o seu falecimento estreasse o filme “Aumenta que é Rock and Roll” que, tenho absoluta certeza, ela adoraria ter assistido ao lado do meu pai Luiz (1928 - 2025).                                                               

Só Deus sabe o estado emocional em que me encontrava na estreia, comparecendo com o pessoal do filme lá na frente, diante das plateias que foram muito carinhosas com a gente, sem saber que eu vivia o caos e o Cosmo ao mesmo tempo. Não sei como resisti. 

Principalmente depois de tudo, em casa, sentado no sofá, inicio de madrugada, ouvindo ecos do alarido das pessoas, sem conseguir derramar uma lágrima, nem a mais furtiva.

Não tenho sido a mesma pessoa. De tanto engolir o luto, tentando passar por cima trabalhando em meus projetos as vezes 17 horas por dia, a burnout. Reza a lenda que sou humano.

Este ano será o meu primeiro Natal órfão (orfandade afetiva não tem idade) sem a minha mãe, sem o meu pai. A festa que ela mais gostava. 

Montava a árvore, enfeitava, sua energia de menina contagiava, por isso nunca passei um Natal sem eles, meu pai e minha mãe. A virada do ano também não. Passava a meia noite com eles, usufruindo do afeto genuíno, compartilhando orações, paz, remanso.

Digam o que quiserem, mas o vazio é fiel e a solitude está longe de ser um estado imaginário.

 

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