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Senti as gotas roçarem a janela, temperatura de 26 graus.
Chuva.
Saí para pensar, pensar, pensar. Pensar em soluções, saídas, ou na possibilidade de não haver solução nenhuma diante do inócuo.
Nietzsche escreveu (ou disse) que até o nada exige um esforço: viver é se confrontar com a ausência de propósito explícito, e o inócuo representa essa ausência.
O inócuo é livre das pressões de ser útil ou transformador; ele apenas é, independente de nossas expectativas.
Assim, pode nos lembrar do valor da existência pelo simples fato de ser, liberando da necessidade de incessante produção de significados e nos permitindo ver o simples existir como algo completo em si mesmo.
O que fazer com aqueles que dizem não entender o que escrevo aqui? Afinal, eventualmente as letras são movidas por minha provável e acachapante desimportância social, funcional, existencial, afetiva.
Um bem-te-vi resolve a sua aflição imediata bebendo água numa poça. Simples.
Quer dizer, simples para quem assiste. A grande vitória do bem-te-vi é voar vivo, pousar vivo numa árvore próxima, saltar vivo para os fios de um poste, pousar vivo na poça.
Vivo, beber a água num ambiente hostil. Vivo, se jogar na desimportância e, como sabiás, anunciar a primavera.
Uma sábia anfitriã me disse uma vez, lá nos anos 1970, na Casa Rosa (Laranjeiras) que a desimportância sugere que muitas das normas e expectativas sociais são superficiais.
O que permite que o indivíduo se liberte das pressões externas, incentivando uma vida mais autêntica, onde as escolhas são feitas com base no que realmente importa para si, e não no que a sociedade dita.
Albert Camus falou do "absurdo" da vida, a ideia de que a busca por significado em um mundo indiferente pode parecer fútil.
Aceitar a desimportância é reconhecer que, apesar de nossas lutas e preocupações, a vida pode ser vivida plenamente, mesmo sem um propósito maior.
A desimportância implica que, ao abandonar a busca por validação externa, somos responsáveis por nossas próprias decisões e ações. Isso traz uma nova dimensão à liberdade, pois nos confronta com a necessidade de escolher e agir de maneira consciente.
No existencialismo, há um convite a viver o presente, a abraçar cada momento como único.
A desimportância nos ajuda a focar nas pequenas alegrias e experiências cotidianas, ao invés de nos preocuparmos excessivamente com o futuro ou com o que os outros pensam.
Em resumo, a desimportância, sob a luz do existencialismo, é uma forma de libertação.
Ao demolir o que a sociedade considera importante, abrimos espaço para uma vida mais autêntica, onde a busca por significado é individual e profundamente pessoal.
Já fui existencialista. Voltarei a ser.
Chuva, calma que parece reinar na cidade, protegida da falsa e histérica euforia do verão e seus moedores de carne midiáticos.
Caminhei pelo bairro que, raro, estava sereno e vazio. Mas que permanece sob o jugo das motocicletas sem silenciosos, faróis e placas, cuspindo na cara da polícia que nada faz. Nada faz porque...não sei. A quem interessa a indecência de uma cidade?
Senti a quase garoa cair sobre a cidade, que repousava.
Poucos carros, ônibus, ciclistas, pessoas nas calçadas; os bares relativamente vazios com uma meia dúzia bebendo cerveja e assistindo futebol na TV. Calma.
É esse o dom da chuva, ou ritmo da chuva como bem cantou Demétrius. Calma. Apesar de já haver sadomasoquistas reclamando da ausência do calorão.
Voltei a pensar em soluções, saídas, ou na possibilidade de não haver solução nenhuma diante de problemas amplificados pela aflição de quem procura viver intensamente.
O drama do lenhador de bonsai diante da gigantesca sequoia.
Mas, não falo mais nisso.
Seguir caminhando, por dentro da chuva, é um bom paliativo não alcoólico. Dizem.